História de onça
Num sonolento
crepúsculo, adormeceu o tempo, fechando os olhos verdes sobre a vastidão da
floresta Amazônica. As horas velhas caídas como folhas mortas, acumularam-se
desordenadas sobre a capa do lacrau, por onde rasteja sem pressa a surucucu
pico de jaca.
Despertei escutando as gritarias dos cuambas que passaram a noite numa
árvore perto do nosso acampamento, o dia amanhecera nublado e talvez os macacos
estivessem prevendo chuva para mais tarde, pensei. Como era de costume fui o
primeiro a sair da rede, eu era o cozinheiro e depois de lavar os olhos no
igarapé, lasquei a lenha verde e iniciei o fogo, abanando com o sonhá a
fogueira molhada, até que as primeiras chamas teimosas aparecessem, só mais
tarde quando o café de chaleira
estava cheirando forte pela mata, é que os outros três levantaram
espreguiçando-se. Depois de fumar um porronco, tomar café e comer com farinha
o resto do sarapatel de jabuti
que sobrara do jantar, afiamos os facões e deixamos o acampamento abrindo
picada pela mata para o norte, rumo às cabeceiras do iniquiaré, onde um dos
muitos mentirosos que andavam pela Amazônia, afirmara que em um mapa secreto
que teve acesso no exterior, marcava a presença de minérios na região, inclusive
ouro e diamantes.
Naqueles tempos quando a febre do ouro estava no auge, morria na mata mais garimpeiros que gente, como costumavam falar os caboclos. De doenças, de tiro, de fome, perdidos na mata, picados por cobras, devorados por feras, acidentados no trabalho ou durante as longas caminhadas pela floresta subindo e descendo montanhas, atravessando rios carregando o jamanxim pesando quarenta quilos ou mais, preso ás costas, abarrotado de víveres e ferramentas. Contavam por lá, que quando um desses desafortunados morreu indo direto para o céu, não encontrou acomodações, pois o céu estava lotado de garimpeiros. O falecido recém chegado resolveu o problema mentindo para os colegas que no inferno tinham recém descoberto uma grota rica, tinha sido encontrado lá muito ouro de aluvião, no leito antigo de um igarapé. Com a notícia do achado, aos poucos o céu foi esvaziando e em uma semana já não havia mais nenhum garimpeiro desocupado por la. O mentiroso estava muito bem acomodado, escolhera o melhor lugar do céu para montar seu acampamento. Passaram-se alguns dias e como ninguém voltava do inferno, o mentiroso depois de pensar um poco, resolveu desatar a rede, botou as tralhas na boróca e foi para o inferno também. -Sabe lá se não tem ouro mesmo ! Pensou ele.
Assim nos quatro seguíamos abrindo picada pela mata, dia após dia, a procura do ouro que possivelmente só existisse no mapa imaginário que o mentiroso inventara. Por outro lado, pra quem anda procurando aquilo que não perdeu, todo lugar serve, como costumava dizer o Bernardo.
Naqueles tempos quando a febre do ouro estava no auge, morria na mata mais garimpeiros que gente, como costumavam falar os caboclos. De doenças, de tiro, de fome, perdidos na mata, picados por cobras, devorados por feras, acidentados no trabalho ou durante as longas caminhadas pela floresta subindo e descendo montanhas, atravessando rios carregando o jamanxim pesando quarenta quilos ou mais, preso ás costas, abarrotado de víveres e ferramentas. Contavam por lá, que quando um desses desafortunados morreu indo direto para o céu, não encontrou acomodações, pois o céu estava lotado de garimpeiros. O falecido recém chegado resolveu o problema mentindo para os colegas que no inferno tinham recém descoberto uma grota rica, tinha sido encontrado lá muito ouro de aluvião, no leito antigo de um igarapé. Com a notícia do achado, aos poucos o céu foi esvaziando e em uma semana já não havia mais nenhum garimpeiro desocupado por la. O mentiroso estava muito bem acomodado, escolhera o melhor lugar do céu para montar seu acampamento. Passaram-se alguns dias e como ninguém voltava do inferno, o mentiroso depois de pensar um poco, resolveu desatar a rede, botou as tralhas na boróca e foi para o inferno também. -Sabe lá se não tem ouro mesmo ! Pensou ele.
Assim nos quatro seguíamos abrindo picada pela mata, dia após dia, a procura do ouro que possivelmente só existisse no mapa imaginário que o mentiroso inventara. Por outro lado, pra quem anda procurando aquilo que não perdeu, todo lugar serve, como costumava dizer o Bernardo.
O Louro,
era o mais jovem de nós quatro, geralmente seguia na frente marcando, iniciando com o facão a picada e levando a espingarda para
abater de surpresa alguma possível caça, enquanto nós fazendo mais barulho seguíamos atrás, alargando
com os facões o caminho por onde passaríamos no outro dia trazendo as ferramentas
e o rancho. Naquela manhã antes de sair do acampamento, constatei que minha
pistola tinha apenas quatro balas no tambor, com preguiça não recarreguei. Tão logo deixamos o acampamento, um jacu descuidado pousou numa árvore sobre nós, e para garantir o jantar eu o
alvejei. Ficando com apenas três cartuchos lamentei não ter recarregado a arma
antes de sair do acampamento, apenas por precaução, pois nenhum de nós poderia
prever o que aconteceria naquele dia.
Seguimos
abrindo caminho pela mata úmida e escura daquele dia nublado por
muitas horas, pensávamos estar seguindo na direção desejada, mas
acabamos fazendo uma grande curva e voltado ao mesmo lugar por onde
tínhamos passado horas antes. Tempo e trabalho perdidos, sem o sol
para orientar, mesmo os mateiros mais experientes podem perder a
direção. Muitos foram aqueles que não voltaram mais da mata depois
de virar a cabeça por culpa de algum cipó - não se deve nunca passar por baixo de algumas espécies de cipós- ou desorientados pelas
travessuras de algum curupira, mapinguari, ou por causa do caboclo da
mata, zangado por não ter ganhado um pouco de fumo. Sentados na
encruzilhada das picadas nós quatro fumávamos enquanto discutíamos
qual seria a direção certa. Lembramos então que havia uma montanha
naquela região chamada peito de moça com a qual poderíamos nos
orientar. Para saber onde estava a tal montanha o Mineiro subiu numa
palmeira, da palmeira passou para uma grande árvore que tinha a copa
mais alta e de onde poderia ver a peito de moça.Lá de cima avistando a montanha
ele gritava apontando a direção, gritou muitas vezes, quebrando
galhos da árvore e jogando na direção da montanha, pois não
podíamos vê-lo sobre as copas e tão pouco para onde estava
apontando. Depois de toda a gritaria, quando o Mineiro desceu da desceu da
árvore e estávamos decidindo se seguíamos abrindo
picada ou voltávamos para o acampamento para esperar pelo sol na
manhã seguinte, ouvimos de repente um grito assustador vindo da
direção da picada recém aberta, que ecoou pela floresta
surpreendendo-nos, O som gutural,alto,grotesco e assustador era desconhecido até
mesmo para o Bernardo, mateiro experiente que vivia na selva há
muitos anos e que por um momento pensou tratar-se de um ataque de
índios hostis, ou talvez fosse o mapinguari...
Conheci o
Bernardo por volta do ano de 1986 em Boa Vista, tinha a pele clara e esverdeada de velhas malárias e de andar por muitos meses na sombra da mata, cabelos e barba longos,
personalidade e corpo forte aparentando ser bem maior do que realmente era. No pé
direito tinha uma ferida grande que purgava um liquido amarelado, onde os
fungos que trouxe da selva se multiplicavam comendo a pele e que lhe impedia de
usar sapatos. Ele estava na cidade fazendo compras de ferramentas e alimentos que seriam
lançados, jogados de um avião nas cabeceiras do rio Auris, região por onde ele estava há
anos pesquisando minérios. Mantinha amizade com os ianomâmis da região, pois
naquela época era permitido a qualquer brasileiro e estrangeiros entrar na
floresta, hoje os brasileiros não tem permissão. Por intermédio de um conhecido
que estava financiando a pesquisa, fui apresentado ao Bernardo e já no dia
seguinte fui ajudá-lo a acondicionar em vários sacos resistentes, preenchidos
com cascas de arroz os alimentos, que seriam jogados do avião numa clareira
aberta na floresta.
Numa segunda feira de manhã, depois de três horas e meia de viagem, um pequeno e velho avião que tinha uma das portas amarrada com arames e apenas o banco do piloto, lotado de garimpeiros sentados no assoalho, mergulhava perigosamente por entre as nuvens que encobriam o topo das montanhas verdes que separam o Brasil da Venezuela e pousava na pista esburacada existente na pequena aldeia ianomâmi, na margem esquerda do rio Auris.
Foi esta a primeira vez que vi os verdadeiros senhores das matas em seu próprio mundo, despidos de todo o desnecessário, sorridentes e hospitaleiros, correndo curiosos em direção ao avião para receber em seus domínios aqueles que alem de cachaça, fumo e doenças, nada mais tinham para oferecer. A aldeia era formada por uns quinze tapiris enfileirados na margem do rio, no lado oposto localizava-se a pista, uma faixa extensa de gramado verde em meio à clareira, onde crianças brincavam de flechar os gafanhotos gigantes que vinham da mata. A casa do tuxaua era primeira e a maior de todas, tinha uma cobertura grande de folhas de ubim, onde eram realizados os eventos e festas. O tuxaua, homem forte e calado, saía ao amanhecer para a mata, onde passava o tempo escavando uma tora de itaúba, estava naqueles dias construindo uma canoa. Ao entardecer quando voltava á aldeia permanecia em sua choupana, ao contrário dos outros índios nunca nos procurava sem necessidade. Com sua autoridade incontestável, o velho e imponente tuxaua liderava a sua aldeia, servindo como exemplo de comportamento para os demais, quando necessário por intermédio de seu filho que falava português e era amigo do Bernardo, entrava em contato com os garimpeiros, dando ou negando permissões para pesquisar minérios na região.
Numa segunda feira de manhã, depois de três horas e meia de viagem, um pequeno e velho avião que tinha uma das portas amarrada com arames e apenas o banco do piloto, lotado de garimpeiros sentados no assoalho, mergulhava perigosamente por entre as nuvens que encobriam o topo das montanhas verdes que separam o Brasil da Venezuela e pousava na pista esburacada existente na pequena aldeia ianomâmi, na margem esquerda do rio Auris.
Foi esta a primeira vez que vi os verdadeiros senhores das matas em seu próprio mundo, despidos de todo o desnecessário, sorridentes e hospitaleiros, correndo curiosos em direção ao avião para receber em seus domínios aqueles que alem de cachaça, fumo e doenças, nada mais tinham para oferecer. A aldeia era formada por uns quinze tapiris enfileirados na margem do rio, no lado oposto localizava-se a pista, uma faixa extensa de gramado verde em meio à clareira, onde crianças brincavam de flechar os gafanhotos gigantes que vinham da mata. A casa do tuxaua era primeira e a maior de todas, tinha uma cobertura grande de folhas de ubim, onde eram realizados os eventos e festas. O tuxaua, homem forte e calado, saía ao amanhecer para a mata, onde passava o tempo escavando uma tora de itaúba, estava naqueles dias construindo uma canoa. Ao entardecer quando voltava á aldeia permanecia em sua choupana, ao contrário dos outros índios nunca nos procurava sem necessidade. Com sua autoridade incontestável, o velho e imponente tuxaua liderava a sua aldeia, servindo como exemplo de comportamento para os demais, quando necessário por intermédio de seu filho que falava português e era amigo do Bernardo, entrava em contato com os garimpeiros, dando ou negando permissões para pesquisar minérios na região.
Dormimos a
primeira noite na aldeia, em um barraco ao lado da choupana do tuxaua,
depois de termos combinado com o filho do chefe que pela manhã seguiríamos rio
acima em direção a clareira onde fora lançado, jogado do avião os víveres e as
ferramentas que o Bernardo comprara na cidade. Deitado na rede, sem poder dormir
com dor de cabeça eu observava os índios que depois de terem bebido uma caixa
de cachaça trazida por nós no avião, continuavam a beber caxiri, alguns completamente bêbados,
outros, aqueles mais jovens que foram proibidos de beber e de fumar pelo tuxaua, apenas sorriam observando de perto o “pizeiro”,
que como falavam os garimpeiros, fazer pizeiro é andar em volta de alguém ou de
alguma coisa, pegadas deixadas por quem andou várias vezes trilhando pelo mesmo local,
assim como os índios estavam fazendo ali, pizeiro em volta da garrafa.
Já era
tarde da noite quando decidi sair da rede e fui olhar a festa que acontecia na choupana do tuxaua, onde estava toda a
aldeia reunida sentados em circulo no chão em volta de dois índios, um deles
cantava e dançava, enquanto o segundo contava histórias que faziam todos rirem,
a música repetitiva que o índio cantava sem parar, causava um transe em todos
nós, claro que eu não entendia nada que estava sendo contado e encenado pelos
dois índios, mas a música repetindo sempre as mesmas palavras, recuouo-recuá, recuouo-recuá, recuouo-recuá... Os dois índios andando pra frente e pra traz, dançando sem parar, as gargalhadas e
gritos nos intervalos de cada história, também me fazia sorrir. Foi uma festa
muito boa e nunca esqueci aquela música, que mais tarde quando estava na mata com o
Auáide e o Taiquiú, costumava cantar recuouo-recuá, sem saber o que estava
dizendo, apenas para ver os dois indiozinhos sorrindo..
Quando o Cujubim da aldeia, que tinha amarrado no
pescoço uma fita vermelha, para ser diferenciado dos pássaros selvagens, cantou batendo
asas no teto da nossa maloca, o novo dia já estava amanhecendo. Os índios
iniciando suas atividades costumeiras não demonstravam nenhum sinal de cansaço
ou embriagues, o rio corria tranqüilo com as águas frias e cristalinas vindas das
montanhas verdes da Venezuela e da festa da noite passada, já não havia mais
nenhum vestígio, como se o rio tivesse levado embora enquanto dormíamos, todas
as lembranças da noite passada. Em pouco
tempo o sol vermelho como os olhos de mau agouro do Cujubim, iluminava toda a
aldeia e nós subíamos o rio Auris remando as três canoas grandes, lotadas de
garimpeiros e índios. Lembro bem que nossa canoa foi a única que não venceu a primeira corredeira, então os índios
mandaram-me parar de remar, eu resignado obedeci calado. Depois quando a nossa canoa subiu na segunda tentativa a corredeira, aprendi que um mau
remador além de não ajudar, atrapalha muito os outros remadores. Por volta da meia tarde, deixamos as canoas
na margem direita do rio e seguimos andando pela mata, foram talvez uns quatro
dias de caminhada, mas praticamente o dobro para mim, pois tinha que voltar
quando todos descansavam, para buscar o jamanxim do velho Piauí, um amigo. que passando dos cinqüenta e com calçados inadequados quase não podia mais
andar carregando o seu próprio peso. Numa destas vezes, quando eu voltava pela picada trazendo o jamaxim carregado pela testeira, quase
correndo e de cabaça baixa, ouvi surpreso uns murmúrios á minha frente. Parando de
repente, levantei a cabeça e vi juntos a um grande tronco de árvore
caído ao lado da picada uns dez guerreiros ianomâmis desconhecidos, armados com
arcos, flechas e zarabatanas. A nudez daqueles indígenas era a mais
perfeita das camuflagem, tinham os cabelos da cor da pele, a pele da cor da
sombra da mata e nem mesmo seus olhos miúdos fitando-me admirados denunciava
suas presenças, porque também eram olhos escuros como a sombra da floresta. Disfarçando o susto, fiz
um gesto com a cabeça saudando-os e segui em frente meio sem jeito, percebendo
em seus olhares aguçados um lampejo de gracejo ou desaprovação. Com certeza
eles me olhando pensavam que aquela não era praia do estranho que passava andando desajeitado,
acenando com a cabeça numa saudação meia envergonhada.
JAMANCHIM
Ninguém
jamais esquece os primeiros encontros com os homens da floresta,
alguma memória genética ressuscita no coração de quem tem essa
oportunidade de voltar ao passado e como num sonho que virasse
realidade presenciar o nascimento de uma criança em meio à
floresta, longe da aldeia, por onde estavam acampados caçando apenas
o pai a mãe e o cunhado. O pequeno corpo moreno da criança recém
nascida, deitada na rede no meio da mata dormindo tranquila,
enquanto sua mãe enfumaçava as carnes de caças e depois envolvia em
folhas verdes para conservá-las por muitos dias frescas, até
retornarem para a aldeia. Contrastando com o gigantismos das árvores,
o pequeno abrigo provisório construído com varas, cipós e folhas
de palmeiras abrigando mãe e filho, evidenciava a fragilidade
daquelas duas pequenas vidas, ou talvez fosse o contrario...Na imensidão verde da
floresta onde a onça pintada esturra nas madrugadas escuras.
Olá, Mauro!!
ResponderExcluirCheguei ao seu blog por indicação do Fábio Kampf, meu sobrinho, e gostei muito do que vi!!
Um relato dinâmico e envolvente! Excelente a ideia desse registro!
Grande abraço!