JAMANCHIM
Ninguém
jamais esquece os primeiros encontros com os homens da floresta, alguma memoria genética ressuscita no coração de quem tem essa oportunidade de voltar ao
passado e como num sonho que virasse realidade presenciar o nascimento de uma
criança em meio à floresta, longe da aldeia, por onde estavam acampados caçando
apenas o pai a mãe e o cunhado. O pequeno corpo moreno da criança recém
nascida, deitada na rede no meio da mata dormindo tranquila, enquanto sua mãe
enfumaçava as carnes de caças, depois envolvia em folhas verdes para conservá-las
por muitos dias frescas, até retornarem para a aldeia. Contrastando com o gigantismos das árvores, o
pequeno abrigo provisório construído com varas, cipós e folhas de palmeiras
abrigando mãe e filho, evidenciava a fragilidade daquelas vidas, ou talvez
fosse o contrario, a imensidão verde da floresta onde a onça pintada esturra
nas madrugadas escuras percorrendo silenciosa os limites de seu território, é
um mundo seleto onde somente os mais fortes e bem adaptados sobrevivem.
Quando
chegamos à clareira, onde dias antes o avião tinha lançado o rancho e as
ferramentas, ficamos sabendo que não haviam encontrado ouro algum. Os
pesquisadores do Bernardo mentiram, descumprindo o que tinha sido combinado,
que era de somente acender na clareira uma fogueira e acenar com uma rede vermelha para
o piloto fazer o lançamento, se houvessem encontrado ouro. Do contrário,sem aviso com a rede
vermelha e fogueira, o avião deveria retornar a cidade, sem fazer o lançamento dos
alimentos e ferramentas e os pesquisadores voltariam para a pista mais próxima,
de onde também deveriam também retornarem para a cidade.
O Bernardo mesmo contrariado, escutou calado as histórias de onças
dos dois homens que tentavam justificar a mentira inventando outras, pois no
garimpo não é aconselhável falar tudo que se pensa e sem fazer nenhuma cobrança
ou reclamação deixou o acampamento no outro dia pela manhã acompanhado por dois
garimpeiros, foram pesquisar umas grotas numa região mais ao leste, guiados
pelo filho do tuxaua, na esperança de encontrar algum ouro de aluvião que pelo
menos pagasse as despesas feita na cidade com alugueis de aviões, alimentos,
ferramentas etc... Nós ficamos no acampamento da clareira esperando eles
voltarem, eu preparava a comida para os garimpeiros e para alguns índios
desconhecidos que sempre chegavam na hora das refeições. Tínhamos arroz,
farinha de mandioca, feijão e jabá,
os índios não comiam feijão, preferiam o arroz que eu cozinhava em duas panelas
grandes, sendo uma apenas para eles e bastava alguém gritar a palavra “liberou ! ” para
que mesmo sem entender português soubecem que a comida estava pronta e
liberada. À noite alguns índios dormiam no acampamento, armavam redes feitas de
cipó titica em volta do fogo e
passavam a noite levantando e colocando mais lenha na fogueira, pois naquela
região montanhosa as noites eram muito frias e úmidas, mesmo para eles
acostumados com o clima das cabeceiras do Auris, era difícil dormir desnudos
numa rede de cipós.
Passaram-se
alguns dias tranquilos no acampamento, até que numa inesperada manhã fomos surpreendidos por dezenas de
guerreiros armados que cercavam a clareira do acampamento, gesticulando e gritando furiosos palavras que nós não entendíamos. Ficamos apreensivos sem
saber o que estava se passando e temíamos sermos atacados a qualquer
momento, receosos não deixamos o acampamento durante todo aquele longo longo dia.
Anoitece cedo
no centro da mata, faz-se um silêncio nervoso nesta hora, quando a sombra da
noite chega arrastando-se silenciosa como a grande sucuriju, devorando todas as cores da floresta e despertando
aqueles de hábitos noturnos que dormiam nas sombras dos grotões e que agora famintos espreitam a
floresta recém anoitecida, antes de saírem com seus grandes olhos noturnos ao
encalço daqueles que passaram o dia caçando e que agora aninhados, sonolentos e
indefesos, escutam também antes de adormecer a noite caindo silenciosa
por cima das copas das castanheiras, onde o mutum com suas azas azuladas buscou
abrigo seguro para passar a noite,bem la no alto, longe do alcance das garras
afiadas da suçuarana. Todos os
habitantes da floresta, inclusive os mateiros, respeitam o anoitecer, a troca de guarda e em silêncio buscam o aconchego da rede depois do
jantar. Somente mais tarde quando a noite já se faz absoluta, quando a paca
sorrateira saiu da toca para beber água no igarapé e os macacos da noite
quebram folhas e galhos secos que caem sobre a lona da barraca, é que quem
espera o sono chegar conta ou escuta outros contarem mentiras que parecem
verdades e verdades que parecem mentiras, coisas de outras terras, histórias do
sul, do norte, do nordeste, histórias de onças ou de cobras grandes, de muito
ouro ou de pouco ouro, de diamantes e de amantes, de muita sorte, de pouca
sorte, de muitos sonhos e de muitas mortes.
Estava
escurecendo quando os índios que nos cercavam aproximaram-se do acampamento, na
frente vinha alguém armado com uma espingarda, apreensivos esperamos o desfecho sem saber
o que fazer. O índio da espingarda apresentou-se, dizendo ser o tuxaua
geral da região, falando português corretamente explicou que foi chamado pelos ianomâmi
da aldeia próxima, que reclamavam a cobrança da promessa feita pelos homens do
Bernardo, que seria de paga-los com alimentos, facões e redes pelos serviços
prestados na construção do acampamento e na abertura da clareira, tarefas que
deveriam ter sido executados pelos dois homens do Bernardo e não pelos índios.
Expliquei para o tuxaua o que se passava, dizendo que nós não sabíamos que os
índios tinham sido enganados pelos dois homens irresponsáveis. O tuxaua repartiu os nossos alimentos com os índios, que depois de apaziguados, em
silêncio voltaram para suas aldeias.
Depois de algum tempo - como quase sempre acontecia por lá, com aqueles garimpeiros que roubassem, mentissem ou descumprissem algum trato - fiquei sabendoque os dois garimpeiros mentirosos que enganaram os índios e o Bernardo, foram mortos, eu nunca soube ao certo como aconteceu, talvez tivessem feito outros novos inimigos, ou quem sabe tenham se encontrado no local e na hora errada com velhos inimigos.
Depois de algum tempo - como quase sempre acontecia por lá, com aqueles garimpeiros que roubassem, mentissem ou descumprissem algum trato - fiquei sabendoque os dois garimpeiros mentirosos que enganaram os índios e o Bernardo, foram mortos, eu nunca soube ao certo como aconteceu, talvez tivessem feito outros novos inimigos, ou quem sabe tenham se encontrado no local e na hora errada com velhos inimigos.
Paulo, o
tuxaua geral da região passou aquela noite no nosso acampamento, aparentava ser
boa pessoa, tranquilo e educado. Disse-me que gostaria que fôssemos pesquisar
ouro nas cercanias de sua aldeia, localizada mais ao norte, quase na fronteira
com a Venezuela e que ficaria conosco no acampamento esperando o regresso do
Bernardo. Quando o dia amanheceu, cerca de dez ou quinze guerreiros estavam
agrupados perto do acampamento, esperavam pelo tuxaua Paulo que havia combinado
uma caçada no dia anterior, ele convidou-me para acompanhá-los. Saímos pela
mata em fila indiana, o tuxaua ia à frente, eu, e os outros índios
seguindo-nos. Os jovens índios olhavam-me curiosos enquanto seguíamos pela
mata, conversavam sem parar, às vezes apontado em minha direção, alguns deles
golpeavam com o facão as árvores maiores por onde passávamos marcando o
caminho, ou talvez estivesse brincando de assustar, intimidar o estranho
caçador branco que estavam acompanhando pela floresta. Como eu não entendia nenhuma
palavra do que falavam, tentava aparentar tranquilidade, dissimulando o
desconforto que aquela situação me causava, por estar acompanhado por pessoas
desconhecidas no meio da floresta, talvez os mesmos que ontem cercavam o nosso
acampamento raivosos.
Em cinco
minutos de voo um helicóptero percorre a distância que na selva um homem á pé
pode levar dois dias caminhando . ,
Estávamos á três horas e meia de vôo mata adentro, em um avião que desenvolve em média uma velocidade de duzentos e cinquenta quilometras por hora, em uma região cercada por montanhas e pântanos, de onde ninguém pode sair ou entrar a não ser voando, onde não se pode evitar situações adversas fugindo. No centro da mata de nada adianta correr, paciência, calma e prudência são requisitos prioritários para garantir a sobrevivência do mateiro, sendo melhor enfrentar o ataque de uma onça pintada de mãos vazias, do que dar as costas fugindo, e tanto o medo como a valentia de nada servem, para quem está no centro da mata sem ter para onde correr, prudência é sempre a melhor das armas.
Estávamos á três horas e meia de vôo mata adentro, em um avião que desenvolve em média uma velocidade de duzentos e cinquenta quilometras por hora, em uma região cercada por montanhas e pântanos, de onde ninguém pode sair ou entrar a não ser voando, onde não se pode evitar situações adversas fugindo. No centro da mata de nada adianta correr, paciência, calma e prudência são requisitos prioritários para garantir a sobrevivência do mateiro, sendo melhor enfrentar o ataque de uma onça pintada de mãos vazias, do que dar as costas fugindo, e tanto o medo como a valentia de nada servem, para quem está no centro da mata sem ter para onde correr, prudência é sempre a melhor das armas.
Andamos
para o leste cerca de meia hora pela picada afastando-nos do acampamento, sendo
eu o único de nós que olhava o sol tentando orientar-me, os índios vão e vem
mata a fora como quem anda no pátio de casa, sempre sabendo por onde estão, lembrando algumas formigas que sabem sempre como voltar para o formigueiro
mesmo sem existir nenhum caminho aparente. Orientar-se na mata é uma das coisas mais difíceis para quem não nasceu
na floresta, mesmo os mateiros mais experientes às vezes se perdem, viram a
cabeça, como se costuma dizer por lá, eu mesmo me desorientei algumas vezes, um
dia quando caminhava em meio a um bacabal,
olhando para cima procurando frutos maduros, atravessei algumas vezes um
igarapé que corria ziguezagueando entre as palmeiras, depois de encontrar e
colher alguns frutos maduros, me dei conta de que o igarapé parecia estar
correndo para o lado contrário. Claro que eu sabia que o igarapé estava
correndo certo, era eu quem estava errado, desorientado, havia sol, mas de nada
me adiantava saber pelo sol onde estava o norte, eu tentava sem sucesso inverter o mapa
que estava de pernas pra cima dentro da minha cabeça e mesmo sabendo que
deveria seguir na direção contrária a minha vontade, que seria logicamente a
direção certa, não conseguia me localizar, teimando comigo mesmo. Então depois de caminhar perdido por
alguns minutos encontrei a picada que nós tínhamos aberto no dia anterior,
seguindo meus próprios rastros, voltei então ao acampamento, e nunca contei
para os outros, com vergonha por ter me perdido, sem nenhum motivo, num dia de
sol, a poucos metros do acampamento.
Quando o tuxaua chegou a um determinado local da floresta, longe dos barulhos do nosso acampamento, separou o
grupo de caçadores em dois e destacou um dos índios para acompanhar-me. - Este
pequeno e hábil caçador chamado Taiquiú, seria meu companheiro e professor
durante todo o tempo em que estivemos pesquisando ouro nos domínios do seu
povo.- Somente quando os dois grupos de índios entraram na mata em silêncio e que o
Taiquiú seguindo em direção oposta fez sinal com sua mão pequena me chamando para que eu o
acompanhasse, foi que percebi que não havia motivos para outras preocupações,
estava tudo tranquilo, seria apenas uma caçada normal sem piores consequências exceto para as caças, isso se fosse por acaso o dia do
caçador, pois na imensidão da selva amazônica com toda a sua exuberância e
diversidade, ao contrário do que se possa imaginar não é lugar de farturas e
quem vive na mata deve saber aproveitar tudo de tudo, nada pode ser
desperdiçado, pois nunca se sabe quando e onde será encontrada a próxima
refeição. Naquele dia eu caminhava pela
mata seguindo os passos do Taiquiú que ia à frente, em silêncio, escutando sons
que eu não escutava, percebendo coisas que eu não percebia, recolhendo em um
bambu que trazia pendurado no pescoço diversos tipos de larvas de insetos
encontrados no caminho, quando havia alguma cachopa
de marimbondos em algum arbusto, ele mandava eu me afastar, cortando o galho com um golpe rápido saia
correndo pela mata arrastando a cachopa para dispersar os marimbondos, depois
quando voltava vinha retirando as larvas brancas de dentro dos casulos,
enrolava em folhas verdes e cuidadosamente acondicionava no bambu. Também
recolhia outras larvas existentes em madeiras em decomposição ou escalava
gigantescas árvores com ajuda da peia, - corda improvisada feita com o arbusto que estivesse mais próximo do local - para
coletar marandovás enormes que constroem um casulo grande parecido com papel, preso ao caule da árvore, depois de descer ele
arrancava a cabeça das larvas, espremia o corpo retirando os líquidos internos, embrulhava em folhas verdes e guardava no bambu, sempre cuidadosamente, como
quem guarda uma guloseima saborosa para comer mais tarde. Em pouco tempo o
Taiquiú tinha garantido sua próxima refeição, ao contrário de mim que portava
uma arma de fogo e não tinha encontrado nada para comer ainda . Às vezes ele
parava bruscamente escutando a mata, seus ouvidos muito sensíveis, como constatei mais
tarde, podiam escutar o barulho de um “burú-burú”, helicóptero, um minuto antes
de mim e nada escapava de seus olhos aguçados .Quando um bando de mutuns
castanheira que comiam frutas debaixo de uma ramada voou fugindo de nós, foi
ele quem viu primeiro um deles que pousara em uma árvore próxima, ele me olhava
e apontava para o mutum, como eu não conseguia ver o pássaro, ele aflito
encostou seu rosto no meu direcionando meu rosto e meus olhos para o galho ande
o mutum estava, então depois de vê-lo eu atirei matando o grande pássaro de
plumagem preta ou quase um azul metálico, cujas penas da cabeça crespas e
delicadas são utilizadas na confecção de adornos, brincos, pulseiras e colares,
as penas das asas arrancadas com cuidado pelos índios, são usadas como aletas
nas suas flechas. Existem três espécies de mutuns, o uru- mutum, o mutum fava e
o castanheira que é o maior, sendo mais ou menos do tamanho de um peru e seu canto
pode parecer para que não conheça como um rugido de onça. Lembro que quando cheguei pela
primeira vez no rio Urariquera, inexperiente estava andando só pela margem do rio, quando
ouvindo um mutum cantar voltei para o acampamento, com medo da onça me comer. Somente mais tarde quando escutei a primeira onça esturrando é que soube a
diferença, aprendi que a onça também caça mutuns e caça também quem caça mutuns, por
isso o mais prudente é sempre esperar um pouco antes de buscar a caça abatida
nos domínios da onça pintada, que sorrateira e silenciosa pode sempre estar por
perto.
Tínhamos feito a nossa parte e enquanto voltávamos para o acampamento
percebi que o Taiquiú estava satisfeito com o resultado da nossa caçada, e já
me olhava de um modo mais amigável, ainda cauteloso, mas um pouco menos
desconfiado, talvez porque não fossemos tão diferentes como aparentávamos no início, ou
pelo menos tínhamos em comum a habilidade de trazer alimentos pra casa e a
curiosidade de conhecer os costumes e observar o comportamento de outros povos. Não lembro se os outros caçadores mataram alguma caça naquele dia,
recordo bem que depois de voltar ao acampamento, enquanto preparava o mutum
para cozinhar, um dos índios que estava por perto pegou as tripas do pássaro
que eu iria jogar fora, escorreu as fezes e depois de embrulhar em folhas
verdes e amarrar com cipós, colocou em meio às brasas da fogueira, antes das
folhas verdes queimarem ele retirou do fogo, deixou esfriar um pouco e comeu. Nós que observávamos comentamos que o índio havia comido as tripas do pássaro
sem lavar, sem sal e mal cozida. Nesse dia eu nem imaginava que em algumas
semanas estaria disputando com o Taiquiú e seu amigo Auáide os pedaços das tripas assadas, que sempre ficavam prontos antes da caça que estava sendo cozida na
panela.
QUATI
Sem ter encontrado ouro por onde
andou, o Bernardo voltou depois de alguns dias e na primeira manhã após o seu
regresso, os garimpeiros retornaram para a pista do rio Auris, de onde
voltariam á cidade “blefados”,
sem ouro no picuá, mas
esperançosos com a possibilidade de que os que tinham ficado na mata, eu o
Bernardo e o velho carpinteiro amazonense, o seu Branco, encontrassem ouro nas
redondezas da aldeia do tuxaua Paulo.
Logo após a partida dos homens, nós três repartimos o que havia restado
de alimentos e junto com as ferramentas fizemos três cargas de pesos iguais,
meio saco de farinha de mandioca ficou separado por ordem do tuxaua, para que
um dos índios levasse para nós. Depois de acondicionar da melhor forma
possível no jamanxim a carga envolvida em uma lona plástica e regular o
comprimento da testeira e das correias do peito, abandonamos o acampamento
velho, seguindo o grupo de índios por uma picada larga e antiga que levava em
direção ao norte.
Com algumas
horas de caminhada, chegamos a uma pequena aldeia com meia dúzia de casas em
meio às enormes árvores, não havia nenhuma clareira como é de costume. Corria um
pequeno igarapé de águas claras a alguns metros das casas onde algumas crianças
brincavam e quando nos viram aproximando, com agilidade de dar inveja a
macacos, subiram rapidamente em algumas árvores altíssimas de onde ficaram observando os desconhecidos.
Numa das casas da pequena aldeia morava a família do Taiquiú, ele tinha esposa e um filho
pequeno, ainda de colo, ela a mãe, muito jovem assim como o pai , pareciam ainda serem ambos
crianças. Curioso, eu observava a família pela porta do tapirí, e quando o Taiquiú que se tornara meu companheiro
de caçada e pecarias nos últimos dias, durante o tempo em que o Bernardo
estava fora, sorriu demonstrando hospitalidade, eu entrei na pequena choupana
para poder ver de perto a jovem mãe amamentando o indiozinho, deitada na rede.
Quando
seguimos viagem o Taiquiú foi junto conosco, carregando no seu jamanchim o meio
saco de farinha de mandioca restante, e que basicamente além de outras poucas coisas mais,era toda a provisão que nos restara. Não sabíamos quanto tempo passaríamos na mata, tínhamos ainda alguma
munição, um pouco de sal e muita esperança de encontrar ouro nas cabeceiras do
Auris. A trilha por onde seguíamos, mais parecia com uma estrada antiga e
abandonada há muitos anos. Um enorme tronco de árvore, colocado propositalmente
sobre um dos igarapés servindo de ponte, aparentava estar ali há centenas de
anos. Em alguns pontos do caminho, a vegetação nova crescendo no local onde
antes existia alguma árvore grande que tenha morrido de velha, ou derrubada por
alguma ventania, escondia quase completamente a estrada, que mais a diante
surgia larga e limpa contorcendo-se em meio à floresta, seguindo sempre para o
norte, interligando-se com outras estradas ainda mais largas, ultrapassando
fronteiras e seguindo em direção às misteriosas cidades de pedras existentes
muito alem das frias nascentes do rio Auris, no alto das cordilheiras dos
Andes.
Na primeira
noite dormimos num acampamento indígena abandonado, ao lado da picada, armamos
nossas redes dentro das estruturas dos barracos, depois de cobri-los com nossas
lonas, pois as folhas de ubim que formavam os telhados já estavam velhas. Alguns dos índios que nos acompanhavam não traziam rede e nem era necessário,
pois utilizando cipós titica fabricavam em minutos uma rede boa o suficiente
para passar á noite. Mesmo nas noites sem chuva, na mata é sempre necessário se
ter um telhado, a temperatura cai condensando a umidade existente nas camadas
mais altas da floresta, fazendo chover sem nuvens, molhando a rede do mateiro,
que é o único local seco que se tem para descansar e secar os pés que passaram
o dia molhados e enlameados, esperando que na manhã seguinte tenha já criado
alguma pele nova nas solas dos pés, sobre a feridas em carne viva causadas pelo
rói-rói.
Apesar de
cansado, de madrugada ansioso eu já estava acordado olhando a lua cheia, que sumia e
aparecia entre as ramadas, seguindo seu caminho rumo ao oeste, deslizando suavemente
no céu e dourando as folhas das árvores mais altas. Meus companheiros ainda dormiam
roncando, era sedo, me acomodei na rede tentando dormir mais um pouco, foi quando ouvi
a Mãe da Lua cantando suas
tristezas pela primeira vez, repetindo de tempos em tempos seu triste lamento, dizendo
pra toda floresta ouvir que o seu companheiro :-“ Foi, foi, foi ...e não
voltou.”
“ De
madrugada quando a Mãe da Lua canta
Lamenta triste toda a sua solidão
Quebra o silêncio do centro da mata
Chamando aqueles, que não voltarão.
Na noite escura como o ferro de bateia
Fagulham estrelas la no garimpo do céu
aqui na terra no centro da mata
a solidão amarga como o fel .“
Interessante e envolvente narrativa, Mauro!
ResponderExcluirGrande abraço!
Helena e Fabiano.
Bom saber que estas lembranças estarão presentes em outras memórias,à salvo do esquecimento. Muito obrigado Helena e Fabiano.
Excluir