PONGÓ
Numa noite de sábado, deitado na rede, sem sono eu olhava as estrelas
passando lentamente na cortina de céu que tapava a entrada da caverna, quando
bateu na pedra a lata de conserva, avisando que um peixe mordera o anzol, na
outra ponta da linha. Levantei sem pressa, porque não gostava muito de peixes
naquela época, ligando a lanterna vi o galho da árvore no qual a linha estava
presa muito vergado, indicando o tamanhão do peixão puxava. Era um pongó, um trairão
daqueles que o índio põe a mão na altura do peito para mostrar o tamanho.
O que não faltava no acampamento
era lenha seca trazida pelo rio durante as cheias, então depois de tirar o
peixe da água, fiz uma fogueira grande e botei para assar de longe, num espeto
de madeira fincado na areia, onde o trairão de tão grande, mais parecia uma paca espetada. De
madrugada comi umas bocadas do peixe e guardei o restante na caverna, era
domingo, os garimpeiros rio acima deveriam estar de folga. Pela manhã, resolvendo dar uma
caminhada saí pelo lavrado em direção á uma fazenda de garimpo, aonde dois
conterrâneos meus recém chegados do sul eram os novos encarregados. No caminho subi uma
montanha, de quatro pés, escorregando nas pedras roladas do cascalho exposto,
que chegava ao topo cobrindo toda a serra, que outrora num passado distante,
tinha sido talvez o leito de algum rio primitivo, que com os movimentos da crosta, foi parar no cume da serra da Maturuca. Lá de cima se vê o rio azul, que
demarcando a fronteira, vem pulando corredeiras e cachoeiras no seu caminho
sinuoso, desgastando e arredondando as pedras que carrega serra á baixo com
suas águas ligeiras, pedras essas que um dia estarão quem sabe no topo de
outras novas montanhas, que surgirão num futuro distante, cobertas de pedras roladas que ninguém saberá de onde vieram, assim como aquela em que eu estava.
Chegando ao rio esperei passar uma
canoa que me levasse ao outro lado, a primeira que passou me levou até a outra
margem e durante a travessia um garimpeiro desconhecido implicou comigo sem
motivos, devia estar drogado para fazer inimizade sem necessidade. Descendo da
canoa, segui mal humorado em direção ao garimpo, já arrependido de ter saído da
minha caverna. Chegando na cede do garimpo, encontrei os garimpeiros de diamantes reunidos e
revoltados.
O líder do grupo que me conhecia, ao me ver se desculpou, por estar naquele exato momento generalizando todos os meus conterrâneos gaúchos com uma série de palavrões. Sem criar problemas, perguntei pelos dois encarregados novatos. Eles estavam trancados na casa á três dias, com medo de serem mortos pelos garimpeiros que descontentes com a nova gerência do garimpo estavam em pé de guerra. Levei então os dois homens sujos, barbudos e famintos para a minha caverna, onde assim que chegaram, comeram todo o trairão pescado na noite passada e dormiram sossegados, depois de quatro noites de vigília. Um dos homens o mais calado, tinha perdido parte do braço trabalhando numa pedreira no sul, o outro de cabelo e bigode negros, embora fosse muito conversador, era também um homem de paz e gerenciar sem experiência um garimpo de diamantes com dois donos e duas balanças, não é tarefa fácil. No dia seguinte os levei até a estrada, onde pegaram uma carona para acidade e depois voltaram para o sul com o picuá vazio e mais uma história de onça para contar em casa.
O líder do grupo que me conhecia, ao me ver se desculpou, por estar naquele exato momento generalizando todos os meus conterrâneos gaúchos com uma série de palavrões. Sem criar problemas, perguntei pelos dois encarregados novatos. Eles estavam trancados na casa á três dias, com medo de serem mortos pelos garimpeiros que descontentes com a nova gerência do garimpo estavam em pé de guerra. Levei então os dois homens sujos, barbudos e famintos para a minha caverna, onde assim que chegaram, comeram todo o trairão pescado na noite passada e dormiram sossegados, depois de quatro noites de vigília. Um dos homens o mais calado, tinha perdido parte do braço trabalhando numa pedreira no sul, o outro de cabelo e bigode negros, embora fosse muito conversador, era também um homem de paz e gerenciar sem experiência um garimpo de diamantes com dois donos e duas balanças, não é tarefa fácil. No dia seguinte os levei até a estrada, onde pegaram uma carona para acidade e depois voltaram para o sul com o picuá vazio e mais uma história de onça para contar em casa.
PICUÁ
No último dia em que o índio picuá apareceu para
trabalhar, mergulhamos no estirão do rio, bem em frente a caverna, onde ele
encontrou uma entrada entre três pedras grandes que levava a uma espécie de
câmara, no fundo do rio, onde havia um depósito de cascalho muito antigo. No
início da tarde bateamos uma amostra desse cascalho encontrado e ficamos otimistas
com o resultado, pois além de conter muitas formas, indicando que naquele
cascalho virgem poderia haver diamantes grandes, também enchemos uma tampa de
garrafa de cachaça com ouro laminado, que juntamos na bateia depois de surucar
o material.
Felizes com o resultado da descoberta, deixamos
a balsa no meio do rio, presa à corda que marcava o local das três pedras, onde era a entrada para o cascalho rico e
fomos até a casa do Picuá, passando antes na corrutela para comprar uma garrafa
de pinga com o ouro encontrado naquela tarde, para comemorarmos o nosso
primeiro dia de sorte. Na casa do índio, enquanto bebíamos a cachaça esperando o peixe cozinhar,
o Picuá contou um pouco de sua vida, dizendo que quando menino saiu um dia
pelado da aldeia onde nascera e passando numa plantação, colheu um cesto de
milho, que pretendia trocar por roupas com os ingleses que garimpavam diamantes
no rio Maú.
Vestindo suas primeiras roupas, o
menino índio passou o dia admirado olhando os brancos que passavam horas no
fundo do rio, com seus sapatos de ferro, procurando por pedrinhas coloridas.
Fascinado, vendo o que nunca tinha visto antes, foi aos poucos abandonando a
aldeia e finalmente passou a viver com os ingleses, se tornando garimpeiro
ainda criança. Em seu primeiro mergulho, com o pesado escafandro, quebrou a
clavícula. Depois de sarar continuou a mergulhar, retirando nos poços do rio,
latas e latas de leite em pó cheias de diamantes, que eram levadas embora para outras terras, pelos estrangeiros donos do garimpo.
Quando adulto o Picua andou por muitos outros
garimpos, na Venezuela e nas Guianas, ganhou e gastou muito dinheiro, viu e
garimpou e vendeu muitas pedras boas. Quando conheci o velho índio garimpeiro, que teve a
alma aprisionada pelo brilho dos diamantes, ele continuava vivendo separado da
aldeia, numa pequena casa, na beira do rio, onde guarda apenas lembranças dos
bons tempos, como a história da índia que conheceu na selva da Venezuela.
Disse ele que os índios de lá, vivendo na mata, tem a pele clara, diferentes dos macuxis do lavrado, queimados pelo sol, e a tal indiazinha era assim, tendo a a pele clara como as noites de lua do lavrado e ele perdidamente apaixonado, não pensou duas vezes antes de pedi-la em casamento ao tuxaua, seguido os costumes daquela aldeia. O tuxaua prometeu que depois de falar com a pretendida daria uma resposta ao Picuá, resposta essa, que ele disse naquela noite, estar esperando até hoje.
Disse ele que os índios de lá, vivendo na mata, tem a pele clara, diferentes dos macuxis do lavrado, queimados pelo sol, e a tal indiazinha era assim, tendo a a pele clara como as noites de lua do lavrado e ele perdidamente apaixonado, não pensou duas vezes antes de pedi-la em casamento ao tuxaua, seguido os costumes daquela aldeia. O tuxaua prometeu que depois de falar com a pretendida daria uma resposta ao Picuá, resposta essa, que ele disse naquela noite, estar esperando até hoje.
Caía à noite sobre a serra da Maturuca quando
eu deixei a casa do Picuá, voltando pra minha caverna. Era difícil a caminhada
de mais de dois quilômetros, pelo leito seco e pedregoso do rio. No caminho eu
vinha pensando nos relâmpagos distantes que vimos clareando o céu, por cima das
serras em direção as cabeceiras do rio, ao entardecer. Tinha passado a temporada
das chuvas e era pouco provável que alguma enxurrada nos surpreendesse com a
balsa apoitada no meio do rio, o Picuá em certo momento ponderou que talvez
devêssemos levar a balsa para a barranca, mas como os relâmpagos cessaram, não
falamos mais no assunto, acreditando ser uma chuva passageira lá para o lado das
nascentes.
Chegando ascendi a fogueira na beira
do rio, e aproveitando a claridade refletida na pequena praia de areias brancas,
em frente a caverna, isquei o anzol jogando a linha na água. Esperei um pouco e
como não beliscava nada, amarrei a linha no galho da árvore, ao lado da pedra
grande, onde eu colocava .a lata que fazia barulho se por acaso pegasse algum
peixe. Depois, como era de costume botei mais lenha na fogueira e fui pra rede
olhar as estrelas passando no meu pedaço de céu, emoldurado pelo furo na pedra
da entrada da caverna, até o sono chegar. E o sono, sentindo o cheiro da
cachaça do índio, chegou cedo naquela noite.
Só despertei horas depois, quando ouvi surpreso o que parecia ser o ruído forte da correnteza das águas do rio escavando as areias na entrada da caverna. A fogueira apagara há horas e na escuridão, procurei tateando a lanterna na prateleira ao lado da rede. Pra minha surpresa o rio tinha subido as barrancas e continuava subindo, a nossa balsa amarrada , girava sem parar no meio do rio, já quase totalmente submersa e a canoa do Picuá se encontrava amarrada na outra margem, agora distante com a cheia e perigosa para ser alcançada a nado na noite escura e nada mais poderia ser feito, já era tarde de mais e a balsa estava definitivamente perdida. Passei o resto da noite sentado, olhando o rio e falando sozinho. Quando o dia amanheceu, indiferente e ensolarado igual a todos os outros, ouvia-se a cachoeira roncando furiosa, afogada com as águas novas da cheia inesperada, a balsa sumira em meio aos redemoinhos das águas revoltosas que desciam das serras, arrastando tudo que encontrassem pelo caminho, se espremendo furiosamente nas curvas do rio, desgastando as barreiras de pedras das cachoeiras.
Só despertei horas depois, quando ouvi surpreso o que parecia ser o ruído forte da correnteza das águas do rio escavando as areias na entrada da caverna. A fogueira apagara há horas e na escuridão, procurei tateando a lanterna na prateleira ao lado da rede. Pra minha surpresa o rio tinha subido as barrancas e continuava subindo, a nossa balsa amarrada , girava sem parar no meio do rio, já quase totalmente submersa e a canoa do Picuá se encontrava amarrada na outra margem, agora distante com a cheia e perigosa para ser alcançada a nado na noite escura e nada mais poderia ser feito, já era tarde de mais e a balsa estava definitivamente perdida. Passei o resto da noite sentado, olhando o rio e falando sozinho. Quando o dia amanheceu, indiferente e ensolarado igual a todos os outros, ouvia-se a cachoeira roncando furiosa, afogada com as águas novas da cheia inesperada, a balsa sumira em meio aos redemoinhos das águas revoltosas que desciam das serras, arrastando tudo que encontrassem pelo caminho, se espremendo furiosamente nas curvas do rio, desgastando as barreiras de pedras das cachoeiras.
Eu soube, resignado, naquela
madrugada, que mais uma história de onça tinha chegado ao seu fim e os diamante
que tanto procurávamos, continuariam brilhando onde sempre estiveram, no fundo
do rio Maú. O picuá da sorte, feito do osso da canela do passarão, continuaria
também como sempre estivera, oco e vazio, e sendo assim eu voltaria pra casa
mais uma vez de bolsos e mãos vazias, levando na bagagem apenas mais uma dessas
história de onça que não vale nem a pena contar, porque talvez quase ninguém acredite ou esteja interessado nelas, também porque as histórias de diamantes, sem diamantes não valham nada. Mas para
quem foi mergulhador nos garimpos, a possibilidade remota de poder voltar pra
casa um dia, é sempre o maior de todos os desejos. Então naquela manhã, mesmo sem nenhum diamante, resolvi
comemorar o meu regresso pulando, dançando, gritando e atirando para o ar, sem
saber que o velho índio Picuá estava me olhando da outra margem do rio, com
medo, pensando que eu tivesse enlouquecido, como ele me falou mais tarde.