DIAMANTE
Mesmo quem nunca tenha visto
um diamante bruto, apontará com o dedo um único colocado entre milhares de
outras pedrinhas. Assim me falou um velho garimpeiro que estava há três anos
sem ver a família quando eu cheguei no garimpo. O diamante é pura fascinação,
aprisionando para sempre a alma daqueles cuja imagem seu brilho espelhado
refletiu, é o que brilha na escuridão, fragmentos do arco-íris quebrado e a
semente de todas as cores.
Trabalhando uns tempos juntando pedras num garimpo, recebi em pagamento
os meus primeiros diamantes, chibíus, como eram chamados os diamantes pequenos
que foram separados á dedos pelo dono do garimpo, não valiam quase nada, mas
eram lindos aqueles pequenos pontinhos brilhantes colorindo a palma da minha
mão e quando um garimpeiro das proximidades encontrou uma pedra de nove
quilates, mergulhando num dos poços do rio Mau, eu achando que já tinha
aprendido o suficiente sobre diamantes enquanto carregava pedras, decidi fazer
o mesmo.
Fui até a cidade onde comprei um motor a
gasolina, um compressor de ar, equipamento de mergulho, bateia, um jogo de
surucas e rancho. Voltando para o garimpo, fui deixado pelo dono de uma velha caminhoneta
numa das curvas do rio. Na outra margem em frente ao meu acampamento, morava a
alguns quilômetros de sua aldeia, um índio velho macuxi chamado Picuá. Tinha
ele sido garimpeiro quase a vida toda, como me contou depois e como éramos bons
vizinhos, decidimos garimpar juntos, assim que as águas do Maú baixassem mais
um pouco.
Depois de duas semas, a
picada de uma aranha em minha perna tinha desinchado e com as águas um pouco
mais baixas, construímos uma pequena balsa com câmaras de ar, onde adaptamos o
motor e compressor e descemos o rio, levando na canoa o rancho e as ferramentas
e rebocando a balsa. O Picuá me levou até uma caverna localizada na barranca,
poucos metros a baixo de uma cachoeira, que seria minha morada por algum tempo.
Tinha três compartimentos a minha caverna, me instalei no da frente, onde a
última cheia tinha depositado um piso de areia fina, por onde á noite vermes pretos
do tamanho de um lápis escorregavam deixavam seus rastros.
Os outros dois compartimentos dos fundos, ficaram para os morcegos, moradores mais antigos. Construí uma prateleira para colocar os alimentos e finquei dois paus próximos a entrada, para armar minha rede. Uma nuvem constate de piuns me obrigava usar sempre calça, camisa de mangas compridas e um pano amarrado na cabeça que eu procurava manter sempre molhado cobrindo o rosto. Uma pedra quadrada na beira do rio em frente a caverna, servia de mesa, ao lado da qual eu fazia a fogueira onde preparava as refeições.
Os outros dois compartimentos dos fundos, ficaram para os morcegos, moradores mais antigos. Construí uma prateleira para colocar os alimentos e finquei dois paus próximos a entrada, para armar minha rede. Uma nuvem constate de piuns me obrigava usar sempre calça, camisa de mangas compridas e um pano amarrado na cabeça que eu procurava manter sempre molhado cobrindo o rosto. Uma pedra quadrada na beira do rio em frente a caverna, servia de mesa, ao lado da qual eu fazia a fogueira onde preparava as refeições.
Enquanto as águas do Maú baixavam
devagar, o Picuá e mais dois índios mergulhavam em locais rasos, se alternado
nas tarefas. Um mergulhava enchendo os sacos de cascalhos, os da canoa cuidavam
do compressor e puxavam pela corda os sacos de cascalhos, que depois de encher
a canoa, eram levados para terra e surucados. A suruca é um conjunto de três
peneiras, fina, média e grossa, que são posicionadas sobre a bateia e depois de
colocado o cascalho dentro o garimpeiro gira na água o conjunto de peneiras em
movimentos precisos e compassados, resumindo, juntando no centro os minerais
mais pesados, ao mesmo tempo em que os classifica por tamanhos nas diferentes
peneiras. Os diamantes que chegam a bateia, passando por todas as três surucas, são pequenos demais, e os que ficarem na peneira grossa e média, infelizmente são raros demais e por
fim na peneira fina, os que por acaso se encontrem, são sempre poucos de mais.
Assim, conforme as águas correntes
do Maú baixavam, acontecia o mesmo com o nosso estoque de alimentos, sem que
encontrássemos nenhum diamante de valor, além de alguns pequenos que mal
pagavam a cachaça comprada na cantina do garimpo, onde tudo era vendido a peso
de diamantes.
Após o primeiro dia que ficamos sem cachaça no trabalho, um dos índios não apareceu mais, o rio estava mais baixo e o Picuá resolveu descer a balsa para um estirão em frente à caverna, localizado entre a cachoeira e o início de uma corredeira, que fazendo uma grande curva se estendia por seis quilômetros rio a baixo. Desmontamos a balsa para descer a cachoeira e aproveitamos o compressor fora da base para mergulhar nas cavernas, que se formavam entre as pedras ao longo do leito do rio no período da seca. O índio Picuá experiente mergulhador desde a época do escafandro, tinha um fôlego invejável e apesar da idade avançada, passava vários minutos submerso sem equipamento, enchendo os bolsos das calças de cascalhos que depois eram examinados em busca das formas, ou seja, dos minerais específicos que indicam a possibilidade de haver ou não diamantes no cascalho examinado.
Após o primeiro dia que ficamos sem cachaça no trabalho, um dos índios não apareceu mais, o rio estava mais baixo e o Picuá resolveu descer a balsa para um estirão em frente à caverna, localizado entre a cachoeira e o início de uma corredeira, que fazendo uma grande curva se estendia por seis quilômetros rio a baixo. Desmontamos a balsa para descer a cachoeira e aproveitamos o compressor fora da base para mergulhar nas cavernas, que se formavam entre as pedras ao longo do leito do rio no período da seca. O índio Picuá experiente mergulhador desde a época do escafandro, tinha um fôlego invejável e apesar da idade avançada, passava vários minutos submerso sem equipamento, enchendo os bolsos das calças de cascalhos que depois eram examinados em busca das formas, ou seja, dos minerais específicos que indicam a possibilidade de haver ou não diamantes no cascalho examinado.
Carregando nas costas o motor e o compressor nós andávamos sobre as
pedras irregulares e pontiagudas, procurando nos poços e cavernas pelo cascalho
diamantífero. Numa das cavernas alagadas em que o Picuá entrou usando o compressor de
ar, esqueceu ao sair a cuia que levara para juntar o cascalho lá dentro, então enquanto
eles examinavam o cascalho eu resolvi buscá-la. Por uma ou duas vezes eu tinha
experimentado respirar num equipamento de mergulho que ajudei a montar no rio Urariquera há alguns anos, e pensando estar apto para a tarefa, inconsequentemente mergulhei na caverna respirando
pela mangueira de ar. A estreita caverna se estendia horizontalmente por uns
trinta metros, onde eu tateando no escuro encontrei a cuia esquecida no mesmo trágico instante em que faltou o ar. Apavorado não pensei duas vezes, soltei o equipamento e nadando
desesperadamente voltei já quase sem forças, até a entrada da gruta. Não havia
trancado a válvula do respirador como imaginei a princípio, um dos índios tinha
desligado o motor e fechado a torneira do compressor, onde estava conectada a
mangueira do ar, dizendo que esquecera que eu estava dentro da caverna. Fingindo
acreditar na história de onça e sem termos encontrado nenhum cascalho bom,
voltamos a montar nossa balsa no rio.
O índio que esquecera de mim na
caverna, também não voltou no dia seguinte, com o Picuá veio apenas um de seus
filhos e como passar horas submerso nas águas frias do Mau não é tarefa fácil,
o velho índio perguntou-me se eu sabia mergulhar para ajudá-los. Fui obrigado a
mentir que sim, pois do contrário teríamos que parar de garimpar por falta de
mergulhadores. Chegado
a hora do meu primeiro mergulho, dissimulando o nervosismo que acelerava o meu
coração, tentava agir normalmente enquanto me preparava. Não tínhamos roupas
apropriadas, mergulhávamos de calça e camisa, usando apenas o cinturão de
chumbo onde a mangueira de ar era presa com um nó, máscara e chupeta.
Sem saber a profundidade do local,
mergulhei de pé na água gelada, seguindo a corda que estava presa a uma pedra no fundo
do rio, junto as ferramentas e o cascalho que estávamos retirando. Foi uma
eternidade até que meus pés tocassem o leito do rio, meus ouvidos estavam para
estourarem, um pouco dágua dentro da máscara insistia em entrar no meu nariz, enquanto eu
apertava tanto a chupeta com os dentes que sentia gosto de sangue na boca. No
desespero que tomou conta de mim, perdi a corda que me guiava, enquanto a forte
correnteza tentava arrancar a máscara do meu rosto, completamente em pânico e
desorientado na escuridão pensei seriamente em desistir. Agarrando-me então a coragem, que eu não
tinha, e pensando na vergonha que passaria desmentindo a minha mentira para o
velho Picuá, me deitei de barriga sobre as pedras do fundo, mantendo a cabeça
de frente pra correnteza fui aos poucos me acalmando, e em seguida encontrei a
corda e fui me arrastando até a boca do serviço onde estavam as ferramentas,
uma alavanca para quebrar o cascalho e a cuia para encher os sacos amarrados á
corda dupla, que levando um saco cheio até a canoa, trazia ao mesmo tempo outro
vazio.
Depois de uma hora e meia ou duas,
que talvez tenhas sido as longas de minha vida, tremendo de frio, fiz sinal na
mangueira de ar para que me puxassem de volta a canoa. Fomos então até a margem
surucar o cascalho e enquanto os dois índios descarregavam a canoa, eu saindo
de fininho, fui para de trás de uma pedra, porque uma diarreia nervosa e emergencial
me chamava urgentemente. Com o tempo fui acostumando com os mergulhos nas águas
geladas do Maú, onde passava molhado a maior parte do dia, fugindo dos piuns, ao
contrário o Picuá e seu filho já não vinham mais todos os dias na minha caverna.
Assim como as águas do rio Maú, que diminuíam mais
a cada novo dia, nossas chances de encontrar algum diamante pareciam também
cada vez menores e os meus sócios índios pouco a pouco voltavam para suas atividades
rotineiras, passando os dias surucando o arroto das máquinas grandes do garimpo acima das
cachoeiras, onde sempre sobravam alguns diamantinhos que escapavam pelas
máquinas resumidoras e que um surucador com bons olhos e com muita muita paciência, de uma em uma, botava no picuá feito do osso da coxa do passarão, as pedrinhas coloridas.
Em pouco tempo de treinamento eu aprendi a surucar mais ou menos, e nos dias em que o índio Picuá não vinha, eu mergulhava só, o que não é aconselhável, levando alguns sacos de cascalhos para terra e surucando atentamente, na esperança de encontrar por acaso uma daquelas pedras magicas, que aprisionam a alma de quem as possua.
Em pouco tempo de treinamento eu aprendi a surucar mais ou menos, e nos dias em que o índio Picuá não vinha, eu mergulhava só, o que não é aconselhável, levando alguns sacos de cascalhos para terra e surucando atentamente, na esperança de encontrar por acaso uma daquelas pedras magicas, que aprisionam a alma de quem as possua.
Eu não escutava mais nada morando na caverna, onde o sol nascia e se punha entre as duas barrancas de pedra do leito do rio, perturbado com o barulho constante das águas da cachoeira caindo dia e noite próximo a caverna. Minha barba rala que pouco protegia das ferradas dos
piuns cresceu, minhas roupas encardidas, a calça e a única camisa de mangas
compridas eram ao mesmo tempo roupa de mergulho, roupas de banho, de passar o
dia e pijama a noite. Com o tempo fui acostumando a falar sozinho enquanto pescava, depois
passei a conversar com os morcegos que passavam pela minha rede, quando saíam ou
entravam para os seus aposentos dos fundos á noite, e por fim passei a conversar
comigo mesmo a qualquer hora do dia ou da noite.
À vezes falo
sozinho, algumas vezes me calo,
Eu nem escuto o que
digo, e se escuto, nem ligo,
Repondo mal as
perguntas, que nem me lembro ter feito,
Se eu pra mim mesmo
pergunto, porque responder direito...
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