PASSARÃO
Ao anoitecer, passamos por uma
aldeia e o homem negro mandou-me seguir a cavalo na frente, em direção a uma
casa isolada, construída ao lado de um buritizal, onde provavelmente haveria uma
cacimba de água e algumas árvores maiores que serviriam de abrigo e
onde poderíamos armar nossas redes. Sem descer do cavalo
chamei várias vezes sem obter resposta, a porta da casa estava aberta mas ninguém apareceu.
Esperei os outros chegarem e fomos então até a casa, para verificar se era
habitada, quando passamos pela porta da casa de um só cômodo, surpresos vimos uma mulher índia
que chorava acocorada num canto e que se pôs a gritar desesperadamente, como se
estivesse vendo o próprio demônio.
Estava tão aterrorizada que seus
olhos arregalados em nossa direção não nos viam e nem tão pouco ouvia o que o
homem negro falava em seu idioma, tentando acalmá-la . Sem alternativa nos afastamos rápido, deixando em
paz a pobre mulher amedrontada e quando finalmente acampamos em outro local distante
daquela casa, já era noite. Depois de cavarmos às pressas uma pequena cacimba
em meio ao buritizal, que logo se encheu de água. Armamos todas as nossas redes
unindo as únicas três ou quatro árvores maiores que haviam perto do local ande ficara
o carro e os bois.
Cansados da viagem e com pressa para escapar das mordidas das formigas
de fogo que agitadas atacavam impiedosamente os pés dos intrusos, nos deitamos,
enquanto o dono da carreta que também tinha armado a sua rede nas mesmas
árvores, dava água e acomodava seus dos bois. Quando tudo parecia estar
resolvido, faltando apenas o sono chegar, o dono dos bois voltou deitando seu corpo grande
e pesado na rede, vergando as árvores que não suportaram o nosso peso,
encostando nossas redes no chão, cheio de formigas, obrigando-nos a sair no escuro em
busca de outras árvores. Quando o dia amanheceu nossa aparência, não muito
agradável, que apavorara a pobre índia no dia anterior, tinha piorado bastante
com o desconforto da noite mal dormida.
Como as folhas arrancadas de
um velho livro, não lembro quando chegamos na boca da mata, nem onde fomos
deixados pelo dono do carro de bois, antes de entramos na selva. Recordo de ter
dormido uma noite na beira do rio Tacu tu com os meus dois companheiros, cujo leito
rochoso formava um grande poço numa de suas curvas onde acampamos. Durante toda a noite os peixes
se debatendo nos acordaram várias vezes, como se fossem
enormes, talvez quem sabe fosse algum jacaré-açu, uma sucuriju, ou até mesmo o bicho desconhecido que
saiu do lago seco.
Lembro também que por algum motivo discordei dos meus dois companheiros e voltei só pela selva, saindo outra vez no lavrado perto de uma aldeia Wapixana onde passei uma noite, antes de seguir a pé em direção a cidade, distante uns trezentos ou quatrocentos quilômetros talvez.
Lembro também que por algum motivo discordei dos meus dois companheiros e voltei só pela selva, saindo outra vez no lavrado perto de uma aldeia Wapixana onde passei uma noite, antes de seguir a pé em direção a cidade, distante uns trezentos ou quatrocentos quilômetros talvez.
Nesta aldeia os índios teciam
algodão, confeccionando suas roupas e redes, cuja perfeição impressionava. Até
mesmos os cães tinham suas próprias redes, pássaros selvagens domesticados
voavam por entre as casas com suas penas coloridas, crianças alegres brincavam
nos caminhos entre uma casa e outra, por onde passavam as mulheres usando seus
vestidos de algodão, muito brancos, contrastando com seus cabelos negros.
Naquela tarde enquanto eu falava com o tuxaua perguntando qual o caminho que deveria seguir, de uma das casas localizada numa elevação, desceu correndo em nossa direção uma jovem índia, passando por nós e dirigindo-se á uma das casa próxima a do tuxaua. Talvez tenha sido essa a mais bela imagem de mulher que alguém pudesse ter visto. Os logos cabelos negros esvoaçando ao vento, seu corpo alto e esguio delineando os contornos do seu vestido branco, realçando seu rosto moreno e delicado, iluminado por seu alvo sorriso infantil.
Naquela tarde enquanto eu falava com o tuxaua perguntando qual o caminho que deveria seguir, de uma das casas localizada numa elevação, desceu correndo em nossa direção uma jovem índia, passando por nós e dirigindo-se á uma das casa próxima a do tuxaua. Talvez tenha sido essa a mais bela imagem de mulher que alguém pudesse ter visto. Os logos cabelos negros esvoaçando ao vento, seu corpo alto e esguio delineando os contornos do seu vestido branco, realçando seu rosto moreno e delicado, iluminado por seu alvo sorriso infantil.
Deixando pra trás a aldeia,
segui pela trilha indicada pelos índios no início da manhã e logo nas primeiras
horas, o sol forte do lavrado erguendo-se no céu, sem nuvens, prenunciava o
calor das próximas horas. A passos largos pela trilha principal eu deixava para
trás a mata e as montanhas que ficavam diminutas. Outras a minha frente cresciam
enquanto eu me aproximava, para depois sumirem também no horizonte a minhas
costas. A terra, a areia e as pedras em fogo aqueciam o solado de minha
sandálias e em alguns momentos o sol forte, o calor insuportável e a sede me
desorientavam fazendo-me errar a trilha por centenas de metros.
Na tarde do segundo dia de
caminhada, encontrei o local de uma antiga morada abandonada, com enormes pés
de mangas, fazendo sombra na mata rasteira da beira de um igarapé. Eu trazia
comigo arroz, farinha e anzol, fiz então algumas iscas com a farinha de
mandioca e enquanto o arroz secava nas brasas da fogueira fui até o igarapé
tentar pescar alguma piaba, refrescando o corpo deitado sobre a laje de pedra
por onde a água fresca corria formando um poço mais abaixo, onde joguei o anzol
várias vezes sem sucesso. Foi então que lembrando talvez da indiazinha, que vi
na aldeia da boca da mata, me distraí comigo mesmo por algum tempo e quando
percebi o barulho vindo do outro lado do poço já era tarde, uma índia velha e
um menino que andavam pelo lavrado, me olhavam pasmos de espanto, seguindo
depois apressados pelo caminho sem sequer olhar para trás.
A trilha indicada pelo tuxaua
na aldeia da boca da mata, levou-me até outra aldeia, onde havia uma escola. Dois homens e uma mulher branca vindos da cidade numa caminhoneta trocavam
mercadorias por porcos, galinhas e outros animais com os índios e caboclos da
região e com eles voltamos de carona para a cidade, eu e o professo da aldeia,
um jovem caboclo que me presenteou durante a viagem com a cabeça de um cervo
que os índios tinham caçado nos buritizais do lavrado. .
Chegando na cidade encontrei o
Bernardo preparando-se para voltar ao Pará. Ele tinha pedido emprestado um revólver
que nunca devolveria ao dono, mostrando-o me convidou para ir com ele, dizendo que o seu
velho garimpo não produzia muito ouro, mas que dava bem para se manter e que assaríamos
primeiro na cidade onde estavam sua mulher e seu filho e que em pouca semanas
estaríamos novamente na mata.
Resolvi não ir com ele e viajei
para o sul primeiro que o Bernardo para o Pará. Fazia muito tempo que eu não
via meus filhos e me sentia cansado de andar pelas matas sem obter nenhum
resultado. No sul, depois de algum tempo telefonei para um hotelzinho em Boa
Vista, onde se hospedavam a maioria dos garimpeiros rodados naquele tempo, um
deles chamado Silvestre que perdera uma das pernas numa queda de barreira no
garimpo da serra pelada e que era nosso conhecido atendeu ao meu telefonema,
quando perguntei se ele tinha alguma notícia do Bernardo, ele respondeu que
tinham matado por aqueles dias o mateiro Bernardo, num garimpo do Pará.
Eram tempos cruéis aqueles em que homens rudes e mulheres desiludidas
vindos de toda parte, se embrenhavam pela selva em busca de riqueza fácil, ou
nem tanto. Se embrutecendo ainda mais na convivência constante com outros gananciosos desajustados, onde a morte, o isolamento e as adversidades de um mundo hostil, rondavam constantemente os aventureiros sem leis e sem
escrúpulos, estes que infelizmente fizeram os primeiros contatos
com algumas aldeias indígenas outrora isoladas, levando até eles os reflexos negativos da
nossa civilização, no comportamento dos homens incultos e selvagens que se matavam nos garimpos, em
busca de ouro e diamantes, enquanto isso nas grandes cidades, pacíficos cidadãos cultos e civilizados
compram esses mesmos diamantes, trancando-os em seus cofres, ou ornamentando suas
mulheres educadas e elegantes com jóias de ouro e brilhantes, alheios as
milhares de bocas famintas das crianças das periferias. - Será que tem pão no
céu? Perguntou para mãe a criança, antes de morrer de inanição
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