CAPELOBO
O capelobo,
nome que o Bernardo costumava repetir muitas vezes referindo-se a perigosa
entidade da floresta, que atacava de surpresa os garimpeiros que estivessem
desacompanhados bateando
distraído, acocorados na margem de algum igarapé de águas frias e límpidas que
nasce no grotão sombrio da
encosta da serra e vem serpenteando por quilômetros entre as raízes das
sumaúmas, do jatobá e da paracuuba, trazendo do centro da terra as fagulhas
douradas do minério cobiçado, que girando sem parar, vai aos poucos amarelando
o ferro negro do fundo da bateia, acompanhando os movimentos compassados dos
braços ágeis e prendendo a atenção do garimpeiro solitário, que nem percebe a
criatura de unhas grandes que se aproxima sorrateira pisando macio no chão úmido
da floresta, buscando a distância certa, para então saltar sobre a vítima
distraída e arrancar suas vísceras, como se fosse o abraço mortal de um tamanduá bandeira. O capelobo contam os mateiros, é o índio
enlouquecido que abandona ou é expulso de sua aldeia e com o passar do tempo
vivendo solitário na floresta, morando em tocas escavadas entre raízes de árvores, vai aos poucos transformando-se no capelobo e seus gritos
horripilantes podem ser ouvidos ao cair da noite por quem se aventura no
coração da floresta em busca de ouro, e muitos daqueles foram e nunca mais
voltaram, talvez tivessem tido seus sonhos dilacerados pelas unhas afiadas de
algum capelobo enlouquecido, como aquele que estava rondando aquela aldeia ianomâmi
e que os índios acreditavam tratar-se do monstro devorador de almas que algum
religioso mentiroso tenha lhes falado, dizendo chamar-se satanás .
Amarramos
nossa canoa no porto e acompanhados pelos índios subimos a barranca do rio e
fomos até a aldeia que também parecia estar em festa naquele dia, pois os
habitantes estavam todos enfeitados com seus adornos de algodão, penas e plumas
coloridas decorando seus corpos nus pintados com tintas de cores festivas, em
tons vivos de vermelho, azul e preto. Os brincos confeccionados com as penas
negras retiradas dos topetes dos mutuns, pendurados nas orelhas morenas das
índias mais jovens, contrastavam com a brancura de seus dentes, que seus
sorrisos infantis punham a mostra enquanto observavam os estranhos recém
chegados, fazendo comentários talvez sobre nossa aparência, que eu supunha não
serem dos mais favoráveis, possível razão de seus sorrisos travessos, pois os
índios são realmente muito bonitos, principalmente os mais jovens que não
sofreram ainda as conseqüências impostas pelo rigoroso contato diário com os
intempéries da grande floreta tropical que causando envelhecimento precoce em
alguns, dificulta saber-se com exatidão a idade dos demais.
Na aldeia do Roberto, onde o tuxaua seu pai aparentava ter uns sessenta anos. A mais velha das suas esposas parecia ter cem anos, era muito magra e andava pela aldeia caminhando lentamente com seu corpo descarnado e a pele totalmente enrugada, vestindo apenas uma meia tanga feita de fios de algodão presa a cintura tapando seu sexo. Mas o que realmente impressionava a quem estivesse observando a velha mulher índia seminua passando, era, além da postura ereta do seu corpo envelhecido, a dignidade demonstrada em seu semblante e a naturalidade com que se movimentava entre os mais jovens da aldeia. Sem coroas de ouro, sem vestidos de pérolas, altiva a velha rainha ianomâmi, vestindo o figurino criado pelo próprio tempo, mantinha com dignidade a sua incontestável majestade.
Na aldeia do Roberto, onde o tuxaua seu pai aparentava ter uns sessenta anos. A mais velha das suas esposas parecia ter cem anos, era muito magra e andava pela aldeia caminhando lentamente com seu corpo descarnado e a pele totalmente enrugada, vestindo apenas uma meia tanga feita de fios de algodão presa a cintura tapando seu sexo. Mas o que realmente impressionava a quem estivesse observando a velha mulher índia seminua passando, era, além da postura ereta do seu corpo envelhecido, a dignidade demonstrada em seu semblante e a naturalidade com que se movimentava entre os mais jovens da aldeia. Sem coroas de ouro, sem vestidos de pérolas, altiva a velha rainha ianomâmi, vestindo o figurino criado pelo próprio tempo, mantinha com dignidade a sua incontestável majestade.
Fomos
guiados pelos índios da aldeia do demônio até uma clareira onde havia a
plantação de uma espécie de gramínea, cujos longos e retilíneos talos são
usados na confecção de flechas. A plantação semelhante a um bambuzal ou a um
canavial, com aproximadamente uns mil metros quadrados de área, era um
esconderijo perfeito para o capelobo enfurecido, que gritando com voz rouca,
corria de um lado ao outro sem poder ser visto por ninguém. Quando nós nos
aproximávamos do local onde estava escondido gritando, ele percebendo a nossa
presença corria para o outro lado, fazendo muito barulho como uma anta em fuga,
quebrando folhas secas e talos da plantação de flecha dos índios, depois de se
distanciar de nós ele permanecia em silêncio por alguns minutos, então de repente se punha a gritar palavras em ianomâmi desconhecidas para nós, exceto a
palavra rabucá, que já conhecíamos e conseguimos
entender depois dele a ter repetido por várias vezes.
Nunca soube o motivo pelo qual os índios queriam que nós matássemos aquele capelobo, pois muito antes dos religiosos terem associado à imagem do índio enlouquecido ao demônio, eles por certo já rondavam as aldeias, talvez aquele tivesse atacado algum membro da tribo deles, alguma criança ou mulher indefesa quem sabe. É sabido que os ianomâmi são muito valentes quando necessário e protegem muito bem os membros de suas famílias e de seus grupos, então por qual motivo não teriam eles mesmo atacado o capelobo, talvez fosse por superstição, ou talvez soubessem eles que o capelobo, o mapinguari, o curupira, enfim, todos os nossos demônios, assim como todos os nossos deuses, não morrerão nunca antes de nós mesmos. Assim sendo, nenhum ianomâmi sofreria conseqüência alguma se houvesse acontecido um confronto entre os estranhos desimportantes e o demônio da floresta, que continuava gritando sem parar a palavra rabucá quando retornamos para a aldeia. Sem ter matado e nem ao menos avistado o tal satanás ianomâmi, que possivelmente tenha ficado satisfeito depois de comer o rabucá que eu pedi para o tuxaua mandar alguém colocar perto do local onde o capelobo se encontrava, isso depois de ter acreditado que o tuxaua compreendera as palavras que eu falei em seu idioma, tentando explicar-lhe que o capelobo não era o satanás, mas sim um índio doente com a cabeça e a barriga morta e que por este motivo nos não iríamos matá-lo, sendo assim, o melhor a fazer seria dar o rabucá que ele tanto pedia gritando em sua língua, panela, comida, panela de comida, rabucá!rabucá!
Nunca soube o motivo pelo qual os índios queriam que nós matássemos aquele capelobo, pois muito antes dos religiosos terem associado à imagem do índio enlouquecido ao demônio, eles por certo já rondavam as aldeias, talvez aquele tivesse atacado algum membro da tribo deles, alguma criança ou mulher indefesa quem sabe. É sabido que os ianomâmi são muito valentes quando necessário e protegem muito bem os membros de suas famílias e de seus grupos, então por qual motivo não teriam eles mesmo atacado o capelobo, talvez fosse por superstição, ou talvez soubessem eles que o capelobo, o mapinguari, o curupira, enfim, todos os nossos demônios, assim como todos os nossos deuses, não morrerão nunca antes de nós mesmos. Assim sendo, nenhum ianomâmi sofreria conseqüência alguma se houvesse acontecido um confronto entre os estranhos desimportantes e o demônio da floresta, que continuava gritando sem parar a palavra rabucá quando retornamos para a aldeia. Sem ter matado e nem ao menos avistado o tal satanás ianomâmi, que possivelmente tenha ficado satisfeito depois de comer o rabucá que eu pedi para o tuxaua mandar alguém colocar perto do local onde o capelobo se encontrava, isso depois de ter acreditado que o tuxaua compreendera as palavras que eu falei em seu idioma, tentando explicar-lhe que o capelobo não era o satanás, mas sim um índio doente com a cabeça e a barriga morta e que por este motivo nos não iríamos matá-lo, sendo assim, o melhor a fazer seria dar o rabucá que ele tanto pedia gritando em sua língua, panela, comida, panela de comida, rabucá!rabucá!
RABUCÁ
Nenhum comentário:
Postar um comentário