quarta-feira, 14 de março de 2012

História de Onça - Parte VII


                

                                                                                                                                                                                              A primeira vez que vi o seu Bill, ela estava trabalhando de cozinheira numa balsa de garimpo no rio Jutaí. Nesta época, sempre que eu chegava da Colômbia andando por muitos dias numa velha trilha indígena,  ficava hospedado na balsa do Magnata, que era mecânico de motor a óleo. Seu flutuante era o local onde a maioria dos garimpeiros rodados, sem trabalho, aguardavam alguma vaga, nas muitas balças que dragavam o leito do rio naquele tempo.
          Naquele dia o Magnata estava só no flutuante. A broca tava pegando, quase não tinha o que comer, então depois de arrumar as minhas coisas, entrei na mata para caçar. Por sorte encontrei numa fruteira, não muito longe do rio um jabuti grande que garantiu um farto e saboroso jantar. Enquanto jantávamos o Magnata falou de sua noiva, que chegaria ao garimpo em alguns dias e de fato, depois de dois ou três dias passou uma voadeira subindo o rio, deixando no flutuante a muito magra noiva do Magnata. Neste mesmo dia outra voadeira que descia o rio, parou para avisar ao Magnata que estavam precisando de mecânico para consertar o motor de uma das balças que estavam garimpando rio acima. A noiva magricela ficou cuidando do flutuante, enquanto eu e o Magnata subimos o rio para consertar o motor. No caminho passando por várias balças encontramos o seu Bill lavando panelas numa delas, o Magnata parou a voadeira para cumprimentá-la e contar que sua noiva, que era amiga da Beatriz, tinha chegado ao garimpo.
            Depois de concertar o motor, quando regressamos no final da tarde, de longe avistamos a noiva do Magnata e o seu Bill deitados na mesma rede no flutuante. O Magnata olhou para mim, balançou a cabeça sorrindo maliciosamente enquanto falava. - Mulher com mulher dá jacaré! 
           No dia seguinte o seu Bill voltou para a balsa na qual trabalhava, e em poucos dias a recém chegada noiva magra do Magnata também se foi, depois de ter percebido que o seu amado noivo estava blefado, sem ouro algum. Na despedida dos noivos, eu estava deitado na rede só observando, enquanto ela abraçando o Magnata tornava a explicava que tinha que procurar algum trabalho no garimpo, mesmo preferindo ficar sem ouro ao lado do noivo. O Magnata,o mais original dos malandros  que eu já conheci, abraçando-a forte falou em seu ouvido, enquanto olhava para mim piscando o olho. - Você é quem sabe querida. Eu só posso te dar amor... o céu, e as estrelas. 
              O seu Bill era uma mulher alta, loira e de peitos grandes, andava sempre de bermudas, camisetas folgadas e chapéu de abas, de longe parecia homem, andava e gesticulava como um homem, mas de perto não podia disfarçar seu rosto feminino, embora usasse os cabelos muito curtos e nem seus peitos avantajados que se alguém tocasse era briga na certa. O seu Bill bebia muito e quase sempre arranjava confusão quando estava na cidade. Algumas vezes saímos juntos pelos bares da cidadezinha, e ela era melhor do que eu para beber, arrumar confusão e namoradas, mas quase sempre voltava tarde para o hotel, muito bêbada e então nessas horas, quando as ruas ficavam desertas, é que dava pra perceber que a solidão era a sua única e inseparável companheira. A última vez que vi o seu Bill, foi quando estava subindo um rio para onde o garimpo havia se mudado há pouco tempo. Ela vinha descendo em um batelão que seguia para uma cidade as margens do rio Solimões, paramos para conversar com os que saiam do garimpo. A Beatriz estava sentada no banco do barco muito calada, não era seu costume, então me aproximando perguntei se ela estava doente. - Estou grávida gaúcho! Respondeu falando baixinho. Enquanto o barco acelerava seguindo viagem rio a baixo, eu perguntei se voltaria ao sul e quem era o pai. Colocando a cabeça para fora do barco, ela sorrindo respondeu. - É um anjo meio veado.
         Passei fora da região do garimpo por alguns meses, quando tornei a me encontrar com garimpeiros conhecidos perguntei pelo seu Bill. Contaram-me que numa noite a Beatriz estava bebendo numa cidade das margens do Solimões, quando foi abordada por policias que procuravam por drogas, por algum motivo a Beatriz socou a boca de um deles quebrando-lhe os dentes, foi então espancada e levada por eles e depois disso nunca mais ninguém tornou a ver o seu Bill naquele garimpo , em nenhuma outra cidade ribeirinha e em nenhum outro lugar.


Beatriz
“De balsa em balsa piranha do rio
novos amigos pode ser sempre um perigo fatal
abocanhando tudo e todas que lhe desse prazer
é sapatão uma palavra de mau gosto total”

O velho Bill que o rio engravidou
Revidou golpe por golpe até o final
Aposto um braço que ela não chorou
Quando espancada brutalmente pela federal

Muito alta,muito louca e ocasionalmente lúcida
Dissimulava na postura os peitos em evidência
Preferia às mulheres, me dizia sempre
Frágeis e opcionais como a própria existência

Sorrio com ironia mostrando seu ventre
Lembro bem do que me disse quando deixou o rio
Estou indo pra cidade, já não sou Bill sou Maria
Um anjo meio gay desceu e me seduziu.
                       
                        

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