A primeira vez que vi o seu Bill, ela
estava trabalhando de cozinheira numa balsa de garimpo no rio Jutaí. Nesta
época, sempre que eu chegava da Colômbia andando por muitos dias numa velha
trilha indígena, ficava hospedado na balsa do Magnata, que era mecânico de
motor a óleo. Seu flutuante era o local onde a maioria dos garimpeiros rodados,
sem trabalho, aguardavam alguma vaga, nas muitas balças que dragavam o leito do
rio naquele tempo.
Naquele dia o Magnata estava só no
flutuante. A broca tava pegando, quase não tinha o que comer, então depois de
arrumar as minhas coisas, entrei na mata para caçar. Por sorte encontrei numa
fruteira, não muito longe do rio um jabuti grande que garantiu um farto e
saboroso jantar. Enquanto jantávamos o Magnata falou de sua noiva, que chegaria
ao garimpo em alguns dias e de fato, depois de dois ou três dias passou uma
voadeira subindo o rio, deixando no flutuante a muito magra noiva do Magnata.
Neste mesmo dia outra voadeira que descia o rio, parou para avisar ao Magnata
que estavam precisando de mecânico para consertar o motor de uma das balças que
estavam garimpando rio acima. A noiva magricela ficou cuidando do flutuante,
enquanto eu e o Magnata subimos o rio para consertar o motor. No caminho passando
por várias balças encontramos o seu Bill lavando panelas numa delas, o Magnata
parou a voadeira para cumprimentá-la e contar que sua noiva, que era amiga da
Beatriz, tinha chegado ao garimpo.
Depois de concertar o motor, quando regressamos no final da
tarde, de longe avistamos a noiva do Magnata e o seu Bill deitados na mesma
rede no flutuante. O Magnata olhou para mim, balançou a cabeça sorrindo maliciosamente enquanto falava. - Mulher com mulher dá jacaré!
No dia seguinte o seu Bill voltou
para a balsa na qual trabalhava, e em poucos dias a recém chegada noiva magra do Magnata
também se foi, depois de ter percebido que o seu amado noivo estava blefado, sem
ouro algum. Na despedida dos noivos, eu estava deitado na rede só observando, enquanto ela abraçando
o Magnata tornava a explicava que tinha que procurar algum trabalho no garimpo, mesmo
preferindo ficar sem ouro ao lado do noivo. O Magnata,o mais original dos malandros que eu já conheci, abraçando-a forte falou em seu
ouvido, enquanto olhava para mim piscando o olho. - Você é quem sabe querida. Eu
só posso te dar amor... o céu, e as estrelas.
O seu Bill era uma mulher alta,
loira e de peitos grandes, andava sempre de bermudas, camisetas folgadas e
chapéu de abas, de longe parecia homem, andava e gesticulava como um homem, mas
de perto não podia disfarçar seu rosto feminino, embora usasse os cabelos muito
curtos e nem seus peitos avantajados que se alguém tocasse era briga na certa.
O seu Bill bebia muito e quase sempre arranjava confusão quando estava na
cidade. Algumas vezes saímos juntos pelos bares da cidadezinha, e ela era
melhor do que eu para beber, arrumar confusão e namoradas, mas quase sempre
voltava tarde para o hotel, muito bêbada e então nessas horas, quando as ruas
ficavam desertas, é que dava pra perceber que a solidão era a sua única e
inseparável companheira. A última vez que vi o seu Bill, foi quando estava
subindo um rio para onde o garimpo havia se mudado há pouco tempo. Ela vinha
descendo em um batelão que
seguia para uma cidade as margens do rio Solimões, paramos para conversar com
os que saiam do garimpo. A Beatriz estava sentada no banco do barco muito
calada, não era seu costume, então me aproximando perguntei se ela estava
doente. - Estou grávida gaúcho! Respondeu falando baixinho. Enquanto o barco
acelerava seguindo viagem rio a baixo, eu perguntei se voltaria ao sul e quem
era o pai. Colocando a cabeça para fora do barco, ela sorrindo respondeu. - É
um anjo meio veado.
Passei fora da região do garimpo por alguns meses, quando tornei a me
encontrar com garimpeiros conhecidos perguntei pelo seu Bill. Contaram-me que numa noite a
Beatriz estava bebendo numa cidade das margens do Solimões, quando foi abordada
por policias que procuravam por drogas, por algum motivo a Beatriz socou a boca
de um deles quebrando-lhe os dentes, foi então espancada e levada por eles e
depois disso nunca mais ninguém tornou a ver o seu Bill naquele garimpo , em
nenhuma outra cidade ribeirinha e em nenhum outro lugar.
Beatriz
“De balsa em balsa piranha do rio
novos amigos pode ser sempre um perigo
fatal
abocanhando tudo e todas que lhe desse
prazer
é sapatão uma palavra de mau gosto total”
O velho Bill que o rio engravidou
Revidou golpe por golpe até o final
Aposto um braço que ela não chorou
Quando espancada
brutalmente pela federal
Muito alta,muito
louca e ocasionalmente lúcida
Dissimulava na
postura os peitos em evidência
Preferia às
mulheres, me dizia sempre
Frágeis e
opcionais como a própria existência
Sorrio com ironia
mostrando seu ventre
Lembro bem do que
me disse quando deixou o rio
Estou indo pra
cidade, já não sou Bill sou Maria
Um anjo meio gay
desceu e me seduziu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário