AÇAI
Naquele anoitecer, depois dos
garimpeiros terem ido embora, quem não passou muito bem foi o Oliveira e no
outro dia depois do almoço, quando eu o Pedro e o velho voltamos a escavar o
barranco, ele ficou lavando as panelas no acampamento, se sentindo meio
desanimado e foi quando gritou desesperado pela segunda vez naquela viagem.
Desci correndo a encosta da montanha e fui o primeiro a chegar ao barraco,
encontrando o Oliveira caído e esverdeado, fazendo vômitos, tinha sofrido um
ataque repentino de malária. O velho entrou mata adentro em busca de raízes de
açaí para fazer chá, enquanto o Oliveira, tomando um punhado de comprimidos de
quinino de uma só vez, foi pra rede, onde passou uns dois dias, comendo pouco e
bebendo muito chá de raiz de açaí. Eu, o velho e o Pedro continuamos o
trabalho, quase sem dar conta das abelhas do Oliveira que se somaram as nossas,
naqueles dois ou três dias em que ele passou na rede se recuperando.
Quando o Oliveira voltou ao trabalho recuperado, eu já vinha sentindo-me também cansado de mais, há alguns dias. O trabalho era muito forçado, pois,ou se estava cavando a terra dura com a picareta, ou jogando pazadas de terra para cima, num movimento constante e cansativo. Naquele entardecer, Pedro e eu, por algum motivo, estávamos trabalhando sós, aproveitando ao máximo a luz do dia no final fresco da tarde, e como eu sentia dores fortes entre o tórax e o abdômen, me queixei, dizendo achar que também tinha contraído malaria.
Quando o Oliveira voltou ao trabalho recuperado, eu já vinha sentindo-me também cansado de mais, há alguns dias. O trabalho era muito forçado, pois,ou se estava cavando a terra dura com a picareta, ou jogando pazadas de terra para cima, num movimento constante e cansativo. Naquele entardecer, Pedro e eu, por algum motivo, estávamos trabalhando sós, aproveitando ao máximo a luz do dia no final fresco da tarde, e como eu sentia dores fortes entre o tórax e o abdômen, me queixei, dizendo achar que também tinha contraído malaria.
O Pedro era um homem de uma
brutalidade extrema, herdada dos primeiros colonizadores que os portugueses
conseguiram se livrar, jogando-os o mais longe possível de Portugal, nos
confins dos sertões do novo mundo, e que pode ser confirmada com a seguinte historinha, que me foi cantada certa vez por um outro maranhense, que ao contrário do Pedro Maranhão, era uma pessoa muito amável. ( O pai maranhense, mandou o
filho maranhense, pegar a mula maranhense, para ir buscar dois sacos de farinha de mandioca na casa de
um vizinho. Na volta, a mula desembestando, rasgou um dos sacos de farinha no
arame enfarpado da cerca. O filho, com
raiva, sacando a faca e furou também o outro saco de farinha. Chegando em casa,
com os dois sacos de farinha rasgados e vazios, foi indagado pelo pai sobre o
motivo. Respondeu que a mula rasgou um e ele com raiva rasgara o outro. Seu pai,
depois de ouvir a explicação, balançou a cabeça afirmativamente, dizendo que ele
tinha feito muito bem, do contrário, não seria bem homem.)
Assim era o maranhense Pedro,
embrutecido, parecendo mais com uma fera sem raciocínio do que com um homem,
daqueles de boa vontade é claro. - Dor de brabo ! Foi a resposta que ele me deu
naquele entardecer, quando me queixei das dores fortes que sentia por dentro do
corpo e que estavam quase me impedindo de trabalhar. Dor de brabo, dor que
sentem aqueles que não têm costume de trabalhar pesado. Sentindo enjôo do
cheiro da comida e da fumaça, não jantei naquela primeira noite de malaria.
Sobraram uns comprimidos de quinino que comecei a tomar a contra gosto, porque
até a água da cacimba parecia ter gosto amargo. Enquanto os outros dormiam
roncando, passei acordado a noite toda, indo da rede para o mato e do mato para
a rede incontáveis vezes, com uma diarréia quente, que parecia estar me
cozinhando por dentro. Uma febre forte chegou sem aviso, fazendo-me tremer de
frio e quando o dia amanheceu meu corpo estava coberto de um suor pegajoso e
mal cheiroso, minha boca estava seca, a língua parecia inchada, o desânimo e uma fraqueza repentinos tiravam minhas forças, enquanto a diarréia esverdeada não
dava trégua, me fazendo levantar da rede e correr para o mato de dez em dez
minutos.
Depois do café da manhã o
Oliveira entrou na mata atrás de mais raízes de açaí. Quando voltou preparou
uma panelada de chá forte que eu passei bebendo durante toda a manhã,foi quando
tomei o último comprimido de quinino que sobrara, sem apresentar melhoras.
Enquanto os três trabalhavam no barranco, eu sentindo hora frio, hora calor e
fortes dores internas, como se meus órgãos estivessem fervendo numa panela de
água quente, me debatia na rede espantando os insetos, ou corria baixando as
calças em direção a mata, que parecia estar cada vês mais distante. Ao meio dia o Oliveira insistiu para eu comer um pouco, mas o cheiro da comida me causava vômitos e até mesmo o chá
de açaí não descia mais em minha garganta inchada. Quando chegou a noite eu não
tinha mais forças para sair da rede e a diarreia contínua, em forma de um
líquido verde, já sem aquele cheiro característico de fezes, molhava o fundo de
minha rede de tempos em tempos.
Tudo acontecera tão de repente, que eu me recusava a aceitar a minha cruel realidade. Estávamos na selva depois de tanto trabalho, o ouro da montanha já
estava quase no picuá, o Pedro e o Oliveira tinham melhorado da malária com os
comprimidos de quinino, o velho nem sentia o menor cansaço e só eu, que em apenas dois
dias, já não podia mais levantar-me da rede. Maldizia minha sorte enquanto
olhava os outros dormindo em suas redes, recusando-me a acreditar que não
estaria melhor na manhã seguinte, mesmo sentindo meu corpo e minha mente se
deteriorando, meus olhos ressequidos vendo na mata escuras, coisas que a razão não confirmava , meu cérebro confuso devido a febre
alta, criava imagens que os olhos não viam, pensamentos confusos atemporais, lembranças, lugares, imagens e vozes de pessoas distantes se
misturavam a realidade, confundido meus pensamentos, aumentando ainda mais a
angústia, o desespero, o frio e a dor insuportável, causada por aquilo que
estava me corroendo por dentro e consumindo minhas entranhas, meu sangue e
minhas forças.
O mais longe que se pode ir, é
de onde não se pode mais voltar e quem anda pela selva corre sempre o risco de
ficar por lá mesmo, para sempre. Basta se perder, ser picado por uma surucucu,
pisar num sapo flecha com os pés escoriados, ser abraçado por uma sucuri na
beira do lago, contrair um malária maligna ou se acidentar quebrando uma perna,
como aconteceu com um garimpeiro que varava pela selva com um companheiro,
seguindo em direção a um garimpo recém descoberto, onde tinha sido descoberto muito
ouro. O terreno era montanhoso, onde até a pista de pouso clandestina tinha sido
construída na beira de um penhasco. Da pista para o garimpo a varação de muitos
dias pelas montanhas era muito perigosa, principalmente para quem varava com o
jamanxim carregado com ferramentas e alimentos, como aconteceu com um dos
homens, que era gordo e caiu do penhasco quebrando uma perna. Seu companheiro
não podia carregá-lo pelas trilhas das montanhas, com fratura exposta, o ferido
não podia nem ao menos se mexer. Isolados na mata, sem remédios e sem saber
cuidar do ferimento, montaram acampamento no local do acidente, esperando por
ajuda, que nunca chegou. Os gritos de dor do garimpeiro, com a perna inchada,
apodrecida e sendo devorada por vermes, ecoavam pelas encostas das montanhas,
sem que ninguém mais além do seu companheiro ouvisse.
Na última noite em que o ferido tornou a pedir
para que seu companheiro o matasse, ele assim o fez, dando um tiro com a
espingarda na cabeça do amigo, que foi enterrado à sombra do grotão, ao lado da
picada, onde alguns dos garimpeiros que passavam depois, com os picuás cheios
de ouro, voltando para casa, acendiam velas agradecendo em silêncio por não ter
tido a mesma sorte do desafortunado dono da cruz.