sexta-feira, 4 de maio de 2012

História de Onça - Parte XIV


                                  MAU
                                
              Durante aquela semana, enquanto as águas baixavam, eu caminhava rio abaixo todos os dias procurando pelos destroços da balsa. No início da corredeira de seis quilômetros, quando o rio está baixo, pode-se cruzar a fronteira sem molhar os pés, por cima de uma barreira rochosa que desce da serra, ligando o Brasil com a Guiana. Junto a esse paredão, pedras enormes, trazidas pela correnteza durante milhares de anos e que lá permanecem imóveis durante as estiagens, inacreditavelmente parecem ganhar vida durante as enxurradas, lançando-se desesperadamente contra o paredão rochoso, como se quisessem atravessá-lo para poder seguir seu caminho rio a baixo, e inacreditavelmente muitas atravessaram mesmo, abrindo inúmeros túneis na barreira rochosa. Outras arredondadas e desgastadas, como uma bola de futebol, estão a meio caminho no fim do túnel, onde podem ser encontradas quando as águas estão baixas, imóveis esperando a próxima cheia. Algumas destas pedras se desgastam totalmente, antes de poderem sair do outro lado da barreira, deixando em seus caminhos túneis cônicos, inacabados, por onde passam as águas das cheias espremendo-se nas fendas, que daqui a mil anos talvez, outra pedra rolada de alguma serra distante, trazida pelas águas, atravessará por fim a barreira de pedras. Entrei várias vezes nesses túneis, quando o rio estava baixo, procurando cascalho diamantífero, em alguns deses tuneis pode-se entrar de pé no início e imaginar o tamanho da pedra que rolando nas águas o escavou.
           Havia uma pedra muito grande perto da barranca, onde às vezes eu ficava em cima pescando, essa pedra também era polida, mas eu imaginava que fossem as areias trazidas pelas águas, por milhares de anos que a desgastavam, sem acreditar que o rio tivesse força suficiente para movê-la. Enganei-me, nos dias que procurava pelos destroços da balsa escutei incrédulo o ruído da pedra grande, agora submersa, chocando-se contra o paredão.
               Após alguns dias o rio Mau tornou a baixar e encontramos presos nas pedras da corredeira, o motor e o compressor, a balsa de borracha descera serra abaixo. Com ferramentas emprestadas, abrimos o compressor e o motor, que secamos e lubrificamos. Colocamos o equipamento recuperado na canoa e fomos procurar, no fundo do rio, o local onde tínhamos encontrado as três pedras que formavam a entrada da câmara submersa, mas a forte enxurrada que  tinha nos surpreendido, tinha trazido o arroto, o cascalho removido pelas máquinas que dragavam o leito do rio, nos garimpos localizados a cima da cachoeira. e toneladas de areia e pedras aterraram o estirão do rio, em frente à caverna, soterrando a entrada do nosso garimpo.                 Quando fui embora, nem lembro por quantos quilates de diamantes vendi a espingarda e o resto do equipamento recuperado para o Picuá, antes de deixar o garimpo, mas tenho certeza que até hoje ele ainda não me pagou, pois nunca mais voltei lá para cobrar. 

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